terça-feira, 23 de março de 2010

Roney Rodrigues e Thiago Teixeira

Sobre Revistas e Cores
um olhar catártico sobre a condição humana em meio a escombros

Seu eu pudesse eu voava para bem longe daqui, pensou Geisy Slovenick. Um lugar onde bombas não estourem e casas não desmoronem feito castelos construídos na areia e que se possa sair para brincar ao sol e que familiares não sumam sem explicação e... Amélia quer sua infância. Que está ausente. Que está perdida. Que está partida. A Kosovo em guerra, tropas marchando em crescendo pelas ruas, a acústica terrível de tiros, corpos jazendo pelas calçadas, pútridos os corpos, as frutas, todo fruto. Deus nos esqueceu, Amélia pensa, Amélia afirma, Amélia sente. Ela encontra uma revista, folhas rasgadas, suja de poeira, e tenta ler a estranha palavra imprensa na capa. Vo... Vougue. Lindas mulheres desfilam com elegantes vestidos em requintados lugares com charmosos homens. As palavras soam estranhas: la saison de la tresse, piornnier dans lúnivers des eaux de soin. Outro idioma, outro mundo.
Sem perceber ela está em outra dimensão. Ao folhear num mundo algo de outro mundo, mulheres em praias paradisíacas, tomando chá em apartamentos bellè-epoque, passeando com simpáticos cachorros e dirigindo carros esportivos italianos, Amélia pensa nas cores de outro mundo, nos contornos de outras realidades, na geografia lugares diferentes à ela.
Um homem se aproxima. Porta uma maquina pendurada ao pescoço por um cordão. Amélia percebe sua aproximação. O homem se ajoelha e como uma arma aponta a câmera fotográfica para a menina. Amélia já saiu de seu mundo de devaneio, está de volta à Kosovo escura, cinzenta, em guerra. No momento que seus olhos saem do mundo Vougue, das luxuosas francesas, Geisy ouve click. Seu olhar estará estampado na próxima propaganda da Benetton.

Nenhum comentário:

Postar um comentário