terça-feira, 23 de março de 2010

Madeleine

Madeleine é uma criança tímida, de muitas expressões e poucas falas. Gosta do dia, da luz do sol entrar pela janela desgastada. Gosta de reparar, reparar os detalhes, do barulho da água pingar na pia, dos pormenores, das coisas pequenas, ao contrário de seu nome. Gosta de comer comidas coloridas, de tomar sucos doces, de experimentar o que a vida lhe apresenta. E a vida lhe apresentou sem medo a poesia e nunca mais a largou, apesar de ter quatro pródigos anos e não saber ler. Gosta de sentir a textura das roupas, das louças, do ar. A textura do ar a intriga. A diferença do vento gelado e do vento frio. Da cama aquecida pela mãe, que já não permanece mais. Vive com o pai, agricultor e comerciante, no pequeno pedaço de terra que dispõem, com muito labor, no sul da França. Seu pai, Jacques, tem 42 anos e pouco tempo para cuidar de sua única filha e única família.
Com o olhar perdido nos devaneios da alma, Madeleine pensa, de forma infantil, em como ajudar o velho pai. No colo, o livro pesado dos sonhos e histórias maravilhosas que sua mãe recitava enquanto ainda era presente. A poesia estava ali, mas não a lia, só a sentia. Pela janela, o sol lateral e difuso do nascer do dia atravessa a vidraça suja e quebradiça, percorre cada fragmento do ambiente, a poeira dançante no ar e o pó já cansado, acolhido pelo chão frígido. Madeleine pensa em ajudar o pai. Poderia sair pela vila próxima e vender flores, ou dentes de leão. Seria uma boa idéia, se não tivesse quatro anos. Poderia ajudar o pai a carregar os legumes até a cidade, se não tivesse quatro anos. Poderia então recitar poesia, e isso sim daria muitas moedas de prata, se não fosse sua timidez. E teria outros planos se não tivesse que colocar as botas do pai no lugar de rotina, de borrifar alfazema nos cantos silenciosos da casa, de colocar uma pequena caneca de chá para esquentar, para servir assim o pai, que logo acordaria.


Ana Paula Braga Machado 839041

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