terça-feira, 1 de junho de 2010

Uma vida de cinema

“O meio principal é sempre a ficção. O documentário é marginal em todo lugar. O publico vai ao cinema para se distrair e para ver um espetáculo de atores. Tira Michael Moore, que é exceção. Existe um boom de produção, mas continua um limite de pessoas que vão assistir”, diz Eduardo Coutinho, já se levantando para ir embora. Ele acabara de participar de um Congresso e estava cansado. Agradeci.
Coutinho costuma dizer que seus documentários são encontros. De um cineasta com os personagens de seus documentários. De dois mundos que entram em congruência em um dado instante. Para realizar Edifício Master, Coutinho teve que repensar quais frutos poderia colher desses encontros, o que poderia ser feito com uma câmera e vários personagens simples e em estado bruto. Documentário sobre vidas ou apenas um filme medíocre sobre a mediocridade? “Eu não sei se tenho uma história”, repetia um tanto ranzinza o cineasta, em crise permanente. “É um bom personagem?”, queria logo saber.
O personagem deve ter força, mostrar um pedaço de sua vida, partilhar suas emoções, seus preconceitos, seus medos. Ser humano para que humanos se identifiquem. Através desse documentário, Coutinho nos mostra um fato revelador: a força original da arte cinematográfica, de registro de uma imagem em movimento e, portanto, mais assimilável como real para o telespectador, vem à tona quando se suprime os dados da ficção que são comuns à arte de contar histórias. Ele não precisa de ficção, a vida humana que é mostrada em toda sua verticalidade já se faz um espetáculo. “Isso é pura ficção!” bradava empolgado Coutinho ao ver a complexidade de um personagem de seu documentário, “Pura ficção!”.
A janela cinematográfica, abrindo para um mundo, tende a subverter a segregação (física) dados os recursos poderosos que o cinema apresenta para carregar o espectador para dentro da tela. Cria deliberadamente a ilusão no espectador de que ele está no interior da ação ou/e que o aquilo que ele vê é real. Quando os personagens contam suas histórias de vida, partilham seus sentimentos com Coutinho não com eles que o estão fazendo. É com nós. Eles dizem a nós e Coutinho sabendo que é o seu público que ele está tocando. Isso é documentário, que não se difere muito da ficção e seu poder de emocionar. Aliás, esta é a dicotomia que o documentário moderno vive: se por um lado ele busca adquirir elementos ficcionais para uma maior dinâmica cinematográfica para atrair públicos e para uma linguagem expressiva maior, por outro lado é realismo, está no imaginário que é uma “coisa real” por mais manipulador que seja o objeto.
E desses encontros, considerados marginais por Coutinho, se faz a certeza que muitas vidas, medíocres que sejam, podem ser uma “história de cinema”.

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